Conforme dados divulgados pela Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN no sábado (22), a primeira etapa do Programa ‘Desenrola Brasil’ que teve início na segunda-feira (17), com renegociações bancárias, já apresenta números robustos.
Considerando somente os bancos associados a ela, portanto sem os dados do Nubank, foram repactuados mais de 150 mil contratos de dívidas que juntas somam próximo a R$ 500 milhões.
Entre aqueles que estavam negativados com dívidas de até R$ 100,00, foram mais de 2 milhões de clientes que limparam o nome.
Tais números apontam para um programa exitoso em termos de apoiar as pessoas no ajuste de seu orçamento doméstico, mas daí a apostar nesta medida para impulsionar a economia, me parece equivocado.
Um país de endividados ...
Segundo dados da Confederação Nacional do Comercio -CNC, 78% dos brasileiros entraram em 2023 com algum tipo de dívida. Este termo é muitas vezes utilizado e interpretado de forma equivocada. Uma expressão que melhor define tal situação seria o de ‘Renda Comprometida’.
... não é necessariamente ruim ...
Ter dívidas em uma sociedade de consumo como a nossa é algo natural e desejável e o comercio utiliza de todas as estratégias para levar pessoas a antecipar o consumo via assunção de crédito.
..., mas, se a conta não é paga ...
O problema aparece quando o consumidor ultrapassa sua capacidade financeira e não consegue mais honrar seus compromissos na data estimulada, acionando então um mecanismo que limita seu acesso a novos créditos – a restrição cadastral ou ‘negativação’.
... cria um contingente de inadimplentes.
Foi isso o que mostrou o levantamento de maio/23 realizado pelo SERASA que apontou o recorde de 71,4 milhões de pessoas negativadas, ou seja, de cada 3 brasileiros 1 estava na lista de inadimplentes.
A inflação explica uma parte ...
Entre os fatores mais relevantes para o descontrole orçamentário está a inflação. Ao tomar crédito, o consumidor compromete antecipadamente parte de sua renda, mas se o preço dos produtos essenciais sobe acima do esperado, ele precisará priorizar alguns pagamentos em detrimento de outros.
... e o combate a ela, a outra parte.
O Banco Central, para combater a alta de preços precisa tornar mais atrativo a quem tem dinheiro, colocá-lo em aplicações financeiras em vez de gastá-lo e o faz aumentando as taxas de juros. Juros altos encarecem o crédito e tiram o dinamismo da economia, que leva a menos emprego e renda.
Resumindo as causas ...
Inflação elevada, juros altos e queda no emprego e na renda explicam o aumento recorde da inadimplência no Brasil. Tudo isso a reboque de um processo pandêmico que debilitou a economia.
..., identificando as dívidas.
O maior nível de inadimplência é com os Bancos (32%) onde prepondera aquelas com o cartão de crédito, depois, com 16% são com as concessionárias de água e energia e em terceiro, com 12%, são com empresas varejistas.
... e seus valores.
O total de dívidas não pagas no mês de junho somou R$ 346 bilhões, um valor médio de R$ 4.650 por pessoa. Aqueles com dívidas de até R$ 100 somam 2,5 milhões de pessoas (3,5% do total de inadimplentes).
A apuração de momento...
Os primeiros 5 dias do Programa, direcionados para excluir automaticamente do cadastro de negativados pessoas com dívidas bancárias de até R$ 100 e repactuar e excluir do cadastro aquelas com renda de até R$ 20.000 atingiu 2,1 milhões de registros.
... ainda não significa ‘nome limpo’...
Não dá para contabilizar estas pessoas como ‘sem restrição ao crédito’ pois elas poderão estar negativadas por dívidas fora do sistema bancário.
... e em setembro nova etapa.
O governo anunciou que, a partir de setembro, inadimplentes que recebem até dois salários e tenham dívida de até R$ 5 mil, tanto no setor bancário quanto em varejistas, poderão repactuar suas dívidas com as empresas que aderirem ao programa.
Voltado não para beneficiar o mercado ...
O programa caminha para ser um sucesso, mas carrega um grave viés – que tal medida estaria voltada a reativar a economia a partir do momento que estas pessoas passariam a ter novamente acesso a crédito e poderiam voltar às compras.
..., mas para beneficiar pessoas...
A repactuação da dívida, mais das vezes, levará próximo a seu limite orçamentário. Fomentar novo endividamento é, no mínimo, maldade disfarçada. E apostar que pessoas que não conseguiam pagar R$ 100 poderiam trazer uma movimentação positiva ao comércio, é no mínimo ingenuidade.
... sem criar superendividados.
Como um programa voltado às pessoas, é absolutamente meritório. Mas se pensado como uma alavanca econômica, somente afundará mais ainda o orçamento familiar.
Dr. Marcos J. G. Rambalducci, Economista, é Professor da UTFPR. Escreve às segundas-feiras.