Olá, meus caros. O Brasil ocupa a 9ª posição entre os países com maior desigualdade de renda no mundo, segundo o Banco Mundial. Já o principal indicador de inadimplência do Brasil, produzido pelo Serasa, mostra que quase 73 milhões de brasileiros estavam inadimplentes em agosto, enquanto os indicadores do Relatório de 2024 das Nações Unidas indicam que 2,5 milhões de brasileiros passam fome.
Mas veja isso. Apesar da alta desigualdade, elevada inadimplência e insegurança alimentar, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família movimentaram R$3 bilhões em apostas online em agosto, segundo o Banco Central. Um paradoxo deveras preocupante, ao qual dedico uma análise na coluna de hoje.
Somos um país reconhecidamente desigual em termos de distribuição da nossa riqueza, onde 50% de toda a renda fica com 1,5% da população mais rica e a outra metade é dividida entre os 98,5% restantes. Dados de 2023 do IBGE
Tal situação é um sinal de que o sistema econômico e social está falhando em garantir igualdade de oportunidades e qualidade de vida mínima para todos. Portanto, políticas redistributivas são essenciais para permitir a migração do cidadão para estratos sociais superiores.
Isso porque, uma das consequências da desigualdade social é a desigualdade de oportunidades. Os filhos de famílias de baixa renda enfrentam grandes barreiras para melhorar sua situação financeira, independentemente de esforço ou talento, perpetuando um ciclo de exclusão difícil de quebrar sem políticas efetivas.
E a concentração de renda também está relacionada à dignidade individual ao gerar inadimplência, que vai além de um problema econômico, causando pressão psicológica, desamparo e comprometendo o bem-estar das pessoas diante da incapacidade de honrar compromissos financeiros.
Some-se a isso, sem uma política proativa de redistribuição de renda, a insegurança alimentar se agrava, comprometendo a saúde e o desenvolvimento, especialmente de crianças, e perpetuando um ciclo de pobreza e exclusão.
Por isso temos o Bolsa Família, que é o maior programa de transferência de renda do Brasil e busca garantir renda para as famílias em situação de pobreza, visando dar-lhes acesso a direitos básicos como saúde, educação e assistência social.
Este programa federal atende atualmente 21,8 milhões de brasileiros pertencentes a famílias com renda per capita de até R$218 e disponibilizou entre janeiro e agosto R$80,9 bi, média de R$463 por pessoa neste período, conforme relatório disponível no site www.gov.br.
Agora veja isso. À despeito da delicada condição financeira destas famílias, um levantamento do Banco Central, divulgado semana passada, mostra que 5 milhões de beneficiários do programa, algo como 1 em cada 4, realizaram apostas em sites online que totalizaram R$3 bi somente no mês de agosto, o que representa algo como 30% do que foi recebido que acabou desviado para jogos de azar.
Um dos principais problemas deste tipo de atitude é que gera a percepção do mau uso dos recursos e pode fortalecer argumentos contrários aos programas de transferência de renda, reforçando a ideia de que esses programas estimulam comportamentos irresponsáveis, ao invés de promover segurança econômica e inclusão social.
Portanto, políticas de proteção social e de inclusão econômica precisam ser repensadas urgentemente, para evitar que benefícios sociais se transformem em armadilhas financeiras para os mais pobres.
Defendo a extinção dos jogos de azar, mas isso não acontecerá nesta vida, portanto, a solução passa por criar regras para proteger quem, com poucas alternativas, busca nas apostas uma solução rápida para escapar das dificuldades financeiras com a promessa de ganhos elevados com um investimento pequeno. Sedutor mais irreal. É preciso regulamentar a propaganda e inibir a facilidade de realizar as apostas.
E atuar em outra ponta. A promoção do empreendedorismo como alternativa concreta para quem busca melhores oportunidades financeiras. Por fim, se você que me ouve, está usando o dinheiro do programa social para apostar, precisa ficar mais esperto, né? Se não, em vez de mudar de vida, vai acabar só mudando o cardápio... de arroz com feijão pra miojo o mês inteiro
Pensa nisso, te vejo na próxima coluna e até lá, se cuida.
Marcos J. G. Rambalducci - Economista, Professor da UTFPR.